O papel dos livros, da leitura e do
conhecimento da literatura na construção do indivíduo em formação, em sala de
aula e nas intervenções pedagógicas
"O leitor que mais admiro é
aquele que não chegou até a presente linha.
Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta
própria"
Mário Quintana
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Por meio da literatura, o aluno satisfaz suas necessidades, sendo-lhe
permitido assumir uma atitude crítica em relação ao mundo, advinda das
diferentes mensagens e indagações que a literatura oferece. Como escrevia
Jacinto do Prado Coelho, "não há disciplina mais formativa que a do ensino
da literatura. Saber idiomático, experiência prática e vital, sensibilidade,
gosto, capacidade de ver, fantasia, espírito crítico - a tudo isso faz apelo à
obra literária, tudo isto o seu estudo mobiliza".
A criança que lê desenvolve o senso crítico e melhora a escrita. Para
tanto, devemos incutir em nossos alunos que a literatura é algo bom, natural,
fácil e prazeroso e não exige esforços nem dificuldades. Sendo assim, faz- se
imprescindível que o convívio com os livros extrapole o desenvolvimento
sistemático da sua escolarização e que a literatura passe a ser difundida com
mais intensidade nas escolas.
Sabemos que a literatura, seja ela brasileira ou estrangeira, não está
tão presente nas salas de aula quanto deveria. Isso porque para muitos
professores a literatura é um conteúdo sem significado, pois não tem um
objetivo técnico, preciso de obter algum conhecimento. Ou seja, a literatura só
tem valor acompanhado de algum ensinamento objetivo, exato e que possua
estritamente cunho pedagógico. Nenhum professor de literatura deverá inibir-se
de pôr em prática leituras, comentários ou interpretações que estimulem nos
estudantes a sensibilidade, o senso crítico, a capacidade argumentativa, e
sejam assim susceptíveis de lançar alguma luz sobre essa realidade indefinível
a que chamamos universo literário.
Daí, a problemática de que temos nos ocupado para consolidar a presença
da Literatura no elenco do ensino discente, visto que a literatura se apresenta
como veículo criador e socializador da linguagem e dos valores que acreditamos
nos identificam. Em decorrência, a presença da literatura na escola propicia a
exploração de inúmeras possibilidades de educação no desenvolvimento social,
emocional e cognitivo do aluno. Ao longo dos anos, a educação preocupa-se em
contribuir para a formação de um indivíduo crítico, responsável e atuante na
sociedade. Isso porque se vive em uma sociedade onde as trocas sociais
acontecem rapidamente, seja por meio da leitura, da escrita, da linguagem oral
ou visual. Diante disso, a escola busca conhecer e desenvolver no aluno as
competências da leitura e da escrita apenas através de atividades de leitura que
eles não gostam de ler e fazem-no por obrigação. No entanto, a literatura não
está sendo explorada como deve nas escolas e isto ocorre em grande parte, pela
pouca informação dos professores. A formação acadêmica infelizmente não dá
ênfase à leitura e esta é uma situação contraditória, pois segundo comentário
de Machado "não se contrata um instrutor de natação que não sabe nadar, no
entanto as salas de aula brasileira estão repletas de pessoas que, apesar de
não ler, tentam ensinar". A literatura tornar-se uma grande aliada do
professor e pode influenciar de maneira positiva neste processo. Assim, Bakhtin
expressa sobre a literatura abordando que por ser um instrumento motivador e
desafiador, ele é capaz de transformar o indivíduo em um sujeito ativo, responsável
pela sua aprendizagem, que sabe compreender o contexto em que vive e
modificá-lo de acordo com a sua necessidade.
De fato, à interpelação contida no objeto de conhecimento - os textos
literários - corresponde o envolvimento (e a implicação) do leitor no processo
de leitura. Este, por sua vez, desencadeia hábitos de reflexão, de interrogação
e de crítica que afetam o processo de transmissão, impedindo a sua
cristalização em fórmulas ou técnicas estereotipadas.
Com o gênero literário Contos de Fadas, podemos responder a várias
perguntas, analisando principalmente a situação da personagem "bruxa"
dos contos fantásticos. As mulheres sempre tiveram uma relação muito próxima
com a natureza. Algumas delas usavam ervas e raízes para a cura de doenças, e
isso fez com que fossem consideradas curandeiras, porque o povo buscava com
elas ajuda para seus males. Essas mulheres eram mais velhas e passaram a ser
conselheiras da comunidade, ameaçando o poder patriarcal, especialmente a
partir do momento em que a Igreja Católica começa a governar junto com o
Estado. Ao ser criada a Inquisição, mulheres foram torturadas e mortas em
fogueiras, pois eram tidas como pagãs e cúmplices do diabo. Na verdade,
simplesmente usavam forças da natureza evocadas por meio de orações, com o que
acreditavam ajudar o povo.
Equivocadamente vistas como seres do mal, essas mulheres tiveram sua
morte justificada. Por esse motivo, a imagem que delas foi perpetuada é a de
velhas e feias, portanto motivo de medo para as crianças. Essas ideias, até
hoje, são reproduzidas em livros infantis. Isso também contribui para o
preconceito contra a mulher, embora houvesse homens bruxos. E assim as bruxas
se tornaram grandes personagens dos contos de fadas, eternizando-se por meio do
folclore literário.
Para Bettelheim, a simbologia que existe nos contos de fadas auxilia as
crianças a encontrar significado para a vida. Elas se identificam com as
personagens no enfrentamento de perigos, representados por situações novas e
surpreendentes. O medo infantil se associa ao medo de ficar independente e
crescer. Está relacionado, na verdade, à perda da proteção da mãe, pois o
crescimento é um conflito entre o desejo da separação e, ao mesmo tempo, o medo
dessa separação.
Na série Harry Potter, de J.K. Rowling, o estereótipo da
bruxa má e feia, que conhecemos em nossa infância, é substituído por uma imagem
glamurosa de ambos os gêneros de feiticeiros. Nos livros, as personagens
infantis aprendem a afastar seus medos, enfrentando situações ridículas ou
perigosas. As adaptações cinematográficas tiveram uma grande repercussão no
universo infantil. Harry Potter é uma criança com poderes especiais desejados
por aqueles que se identificam com o filme e que, por isso, acabam dominando
seus medos, transformando-os em poder interior. Por meio da ficção, a criança,
portanto, aprende a enfrentar sua realidade e viver além de sua vida imediata,
vivenciando outras experiências. Por isso, seduz e encanta, mesmo sem tarefa,
sem nota, sem prova, a literatura educa e, portanto é importante
pedagogicamente.
Do imenso leque de obras literárias para o trabalho em sala de
aula, uma delas se destaca servindo de sustentáculo de nossa educação formal. É
o livro Meu pé de laranja
lima, que será um grande instrumento para transformação e
remodelação no processo de intervenção pedagógica para o aluno com
dificuldades. Meu pé de
laranja lima, de José Mauro Vasconcelos, serve de modelo para a
compreensão de que a literatura dentro da intervenção pedagógica pode caminhar
junta, tornando-se um estímulo para nossos alunos do ensino fundamental, que
chegam a essa fase escolar sem um parâmetro de leitura, que segue o sentido
contrário a um dos pilares da educação mineira, que se trata de "Toda criança
lendo e escrevendo até os 8 anos".
Um aluno em idade de 11 anos, que não percebe a leitura, não
adquiriu o conhecimento por meio dos sentidos da leitura, necessita de um
ajustamento, uma intervenção pedagógica, pois houve problemas nos anos iniciais
de sua formação. De acordo com Bernardo Toro, vice-presidente de relações
públicas da Fundação Social, entidade civil cuja missão é combater a pobreza na
Colômbia, se a criança não aprende, não culpe a criança, culpe o método que o
professor usou para ensinar. Nesse sentido, entra o trabalho do psicopedagogo,
do supervisor e do professor da instituição, juntamente com os pais.
Na realidade da sala de aula, para estudo e análise, Meu pé de laranja lima é
um livro extremamente marcante, comovente e triste. Marcante pela ironia da sua
história, comovente pela simplicidade transmitida e com que é escrito e triste
pela dor e pelas perdas retratadas. Um livro simples que transmite uma mensagem
e sentimentos sutis e profundos. Com uma mescla de turbulentas emoções e
pequenas conquistas e vitórias, vividas pelas personagens, que vêm ao rubro de
forma simples e eloquente em cada palavra. Neste livro o mais importante não é
os grandes feitos ou qualquer outro ato considerado por nós, na nossa cegueira
e egocentrismo, digno e merecedor de importância, mas sim as pequenas coisas
que no fundo acabam por ser as mais bonitas e importantes; as pequenas
vitórias; a dor e a conquista, do mundo real e da vida real, que acabam por ter
uma fantasia mais doce e bonita e um misticismo mais profundo do que as grandes
lendas ou histórias, apenas pelo que são.
É possível ampliar no aluno sua capacidade da oralidade, viver
experiências alheias narradas e vivenciadas no imaginário pessoal
Meu pé de laranja lima, como
tantos outros clássicos da nossa literatura infantil, contribui para o encontro
da criança com a literatura, para o desenvolvimento de sua competência leitora
condição necessária, uma vez que esta deverá ser resgatada sem ter a pretensão
de fazer análise literária, mas sim que realçar alguns elementos importantes
para compreensão do aluno, como enredo tempo, espaço, personagens, que comentem
sobre as peculiaridades das obras, contextualizando-as em relação ao estilo de
época, ao estilo individual, e também a certos aspectos que são específicos da
linguagem literária, como o uso de imagens, as marcas da oralidade, o ritmo da
narrativa etc.
Há obras que de alguma forma são capazes de transformar o
leitor, e a consagrada obra de literatura fantástica O Pequeno Príncipe é uma
delas, quase uma ficção científica, que transmite ensinamentos, amizade e
companheirismo. Uma das mais belas obras, escrita por Antoine Jean Baptiste
Roger de Saint-Exupery, capitão e piloto de aviões. Fazia reconhecimentos
aéreos e morreu em sua última missão, em 1944, aos 44 anos de idade. Foi um
escritor de grande sensibilidade, com grande preocupação com o sentido do
humano e da existência. Em uma narrativa poética vai elaborando sua visão de
mundo e mergulha no próprio inconsciente. De repente retornamos aos nossos
sonhos infantis e reaparece a lembrança de questionamentos acomodados. É uma
obra que nos apresenta uma profunda mudança de valores. Pelas mãos desse autor,
o leitor apossa-se de muita sabedoria e do discernimento do que é essencial, em
sua narrativa metafórica.
Com ela, podemos trabalhar a construção e o reconhecimento da
identidade por meio de projeção e identificação, aspectos e processos
psicológicos presentes na experiência de contato da criança com a obra
literária, considerando o imaginário enquanto campo vivencial, dotado de
significados e conceitos, tal qual a experiência concreta.
Também é possível ampliar no aluno sua capacidade da oralidade,
viver experiências alheias narradas e vivenciadas no imaginário pessoal.
Como a literatura infantil prescinde do imaginário das crianças,
sua importância se dá a partir do momento em que elas tomam contato oralmente
com as histórias, e não somente quando se tornam leitores.
Desenvolver o interesse e o hábito da leitura é um processo
constante, que começa muito cedo, em casa, aperfeiçoase na escola e continua
pela vida inteira.
Luciana Daniele Costa é graduada em Letras, Especialista em
Educação Inclusiva e Psicopedagogia. Atua como educadora no sistema público de
ensino de Minas Gerais.
http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/37/artigo225090-2.asp <acesso em 20/05/2014>